Lula deve se acostumar a abrir negociações, ao invés de tentar enfrentar o Congresso

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Carlos Pereira
Estadão

O Congresso era o maior legislador do Brasil no período democrático de 1946 até o golpe de 1964. O presidente, constitucionalmente fraco em ambiente multipartidário, não conseguia ser atraente o suficiente para montar e gerir maiorias legislativas. Crises de governabilidade e paralisia decisória geravam instabilidades e tensões quase que permanentes à democracia.

A partir da ditadura militar, o Executivo, como era de se esperar em regimes autoritários, se fortaleceu com uma série de dispositivos unilaterais de governo, passando assim a ser o maior legislador, com um número muito mais alto de iniciativas legislativas que se transformavam em leis.

HEGEMONIA MANTIDA – A despeito da volta da democracia em 1985, o padrão caracterizado pela preponderância do Legislativo do período democrático anterior não retornou. Na realidade, o Executivo não apenas continuou a ser o principal legislador, mas também o protagonista no jogo com o Congresso, que passou a ter um papel eminentemente reativo à dominância do presidente.

Por escolha dos próprios legisladores, presidentes se tornaram constitucionalmente poderosos e, assim, capazes de montar coalizões majoritárias, mesmo em ambiente partidário hiper fragmentado. Quando as coalizões eram bem geridas, presidentes conseguiam ser bem sucedidos no Legislativo a um custo de governabilidade relativamente baixo.

No entanto, a partir de 2018, o Legislativo (soma de Câmara e Senado) ultrapassou o Executivo no número de iniciativas legislativas que se transformaram em leis. A única exceção foi 2020, primeiro ano da pandemia, quando 64% das 151 leis promulgadas tiveram o Executivo como autor, e o Legislativo iniciou apenas 36% (Câmara 25% e Senado 15%).

LULA EM RECUO – O mais surpreendente no período foi o primeiro ano do terceiro mandato do presidente Lula, quando o Executivo só conseguiu ser o autor de 24% (64 iniciativas) de todas as 263 leis que foram promulgadas. Esse é o percentual mais baixo da série histórica. Por outro lado, o Legislativo iniciou 70% (183 iniciativas: Câmara 53% [139] e Senado 17% [44]) de todas as leis o que foram promulgadas.

Vários elementos institucionais e políticos contribuíram para esta mudança drástica. A impositividade das emendas individuais e coletivas certamente teve um peso importante, pois o Executivo perdeu duas moedas-de-troca ágeis e de grande liquidez, que permitiam ajustes finos das relações entre o presidente e seus parceiros de coalizão.

Mas o Executivo possui várias outras moedas-de-troca extremamente valiosas, como ministérios, cargos na burocracia das estatais, concessões nas políticas públicas e outras modalidades de emendas dos parlamentares ao orçamento sob sua discricionariedade, como, por exemplo, as de Comissão (apenas para este ano de 2024, estão orçadas nesta rubrica quase R$ 17 bilhões).

UM NOVO PADRÃO – Ainda é muito cedo para saber se esse será o novo padrão das relações entre o Executivo e o Legislativo. O importante é indagar se uma preponderância do Legislativo no processo decisório interessaria ou não ao governo e se isso acarretaria potenciais problemas de governabilidade.

O presidencialismo multipartidário com Legislativo preponderante sempre foi pensado como sinônimo de crises e instabilidades governativas e democráticas. Mas, apesar da clara preponderância do Legislativo, o governo Lula não tem se mostrado, até o momento, vulnerável, a despeito do alto custo de governabilidade de sua supercoalizão de 16 partidos heterogêneos e do baixo sucesso de suas iniciativas legislativas.

Se o Legislativo está atuando em conformidade com os interesses do Executivo e não como adversário do presidente, o protagonismo dos legisladores não necessariamente vai gerar graves entraves para o funcionamento do presidencialismo multipartidário e para a democracia. Na realidade, a sua principal consequência é obrigar o presidente a antecipar e a mirar a preferência agregada do Legislativo em busca de soluções negociadas com o Congresso, como aconteceu, por exemplo, com a reforma tributária.

4 thoughts on “Lula deve se acostumar a abrir negociações, ao invés de tentar enfrentar o Congresso

  1. Controle de quem recebe o que, como e onde é muito bem planejado. Infelizmente faz parte do planejamento esconder aos olhos da justiça, mas eles sabem muito bem quem recebe o que e como. Sabem como enviar o dinheiro e a quem enviar.

    O início das emendas do relator, onde se dizia que era impossível rastrear e saber quem recebeu dinheiro e valores, Bolsonaro deu mole e falou de uma planilha com esse controle. O Senador Alessandor Vieira junto com um pequeno grupo tentaram obter essa planilha mas não conseguiram.

    Esse dinheiro é negociado com os caciques e todas as lideranças partidárias onde sabe quem recebe o que. Essa política do toma lá dá cá existe desde FHC e dizer que Lula deve ficar de 4 e esperar as exigências do Centrão sem falar dos presidentes antecessores e mera presunção.

  2. Não sejamos hipócritas. Não é possível, dada a nova configuração do Congresso, ainda que por causa de uma direita igualmente retroutópica (como o próprio PT), um novo Mensalão, mesmo com a a anulação metafísica e detergenciamento da Lava da Lava Jato.

    O PT tem colocado sua, altamente lucrativa, Indústria, sempre a serviço das oligarquias ex-cleptae e patrimonialistas. Não podendo acioná-la no Legislativo, expandiu-a, pelo Myndão, para toda a Sociedade, num processo de aparelhamento das redes sociais. A imbecilização, o baixo nível educacional e a total falta de crítica e auto-crítica de nossa juventude é dos processos de seu objetivo único: privatizar o Estado, para impor o pensamento único e lucrr montanhas de votos e dinheiro.

    Bando de hipócritas, pervertidos e farsantes.

    O silêncio dos bons é extremamente preocupante.

    Lembrando Sobral Pinto, homenageio os grandes nomes, que tivemos em nosso país. Hoje, todos recolhidos em suas suas conchas, estão deixando que o binarismo reducionista, a falta de projeto de longo prazo, o fingir ser a encarnação do “bem”, o culto a personalidade duvidosa e quiçá, o medo de ser preso ao expressar livremente o pensamento e a falácia de que devemos escolher entre o céu e o inferno, como se não houvesse inúmeras interpretações e práxis sociais. E tem o terror maior ser tachado de “bolsonarista”.

    Os da banca midiática petista, podem até expressar racismo, sem qualquer consequência.

    Conquistaram o bem estar na civilização.

    https://www.naoeimprensa.com/p/myndchocada

    É hora de voltarmos ao poema que declamávamos como resistência à ditadura anterior.

    Na primeira noite eles se aproximam
    e roubam uma flor
    do nosso jardim.
    E não dizemos nada.
    Na segunda noite, já não se escondem:
    pisam as flores,
    matam nosso cão,
    e não dizemos nada.
    Até que um dia,
    o mais frágil deles
    entra sozinho e nossa casa,
    rouba-nos a luz e,
    conhecendo nosso medo,
    arranca-nos a voz da garganta.
    E já não podemos dizer nada.

    Eduardo Alves da Costa

    .

  3. É interessante observar como o brasileiro se acostuma tão facilmente com atitudes erradas, a expressão “Se o Legislativo está atuando em conformidade com os interesses do Executivo e não como adversário do presidente, o protagonismo dos legisladores não necessariamente vai gerar graves entraves para o funcionamento do presidencialismo multipartidário e para a democracia”.

    No meu humilde campo de observação o Legislativo, assim como o Executivo deveriam estar atuando em conformidade com os interesses de um progresso nacional, e não em função de seus próprios interesses.

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