Carlos Newton
Sempre atenta ao lance, a excelente jornalista Dora Kramer publica artigo na Folha afirmando que as penas para os tubarões e peixes grandes apanhados na rede do golpe precisam ser mais severas do que as aplicadas nos cerca de 1.5 mil bagrinhos que participaram ou assistiram à invasão dos palácios em 8 de Janeiro.
O que Dora Kramer sugere é que sejam obedecidas as doutrinas jurídicas sobre dosimetria das penas. O Direito é inteiramente baseado na Lógica, não pode haver decisão, sentença ou acórdão que não seja baseado na racionalidade lógica.
MORAES ERROU – O fato concreto é que o relator Alexandre de Moraes, do alto de sua vaidade sesquipedal, errou de tal maneira na condução do “inquérito do fim do mundo” que agora não há mais como corrigir, a não ser que o plenário acorde e coloque as coisas nos seus devidos lugares.
No dia da invasão, apenas 243 ativistas foram presos em flagrante dentro dos prédios ou fora deles, por enfrentarem a PM. No dia seguinte, 9 de janeiro, outras 1.152 pessoas que estavam no acampamento diante do QG foram para a prisão, sem flagrante ou indicações que as incriminassem. No decorrer do ano, com as investigações, outros 35 envolvidos foram presos em operações deflagradas ao longo do ano, entre eles o vândalo que quebrou o relógio de Dom João VI.
O MAIOR erro de Moraes foi considerar todos como “terroristas”, atribuindo-lhes a mesma pena, por via da “generalidade de provas”, algo inconcebível no Direito, que requer o exame da culpabilidade individual. Assim, todos estão levando 17 anos de cadeia, sem distinção, e os que fizeram selfie e enviaram a parentes e amigos pegam mais 4 anos, perfazendo 21 anos.
OUTROS ERROS – Pela ordem, vamos conferir o jogo dos Sete Erros cometidos pelo ministro Moraes.
1 Não enviou os processos para a Justiça de primeira instância, fazendo com que não tivessem direito de recorrer contra as condenações.
2 Não fez distinção entre presos em flagrante e os que foram detidos no dia seguinte, a quilômetros de distância.
3 Não apresentou indícios de crimes cometidos por 1.152 réus, condenando-os sob provas genéricas ilegais.
4 Não cuidou de apresentar pena menor para todos os que não presos em flagrante e havia dúvidas sobre a participação.
5 Usou a legislação de terrorismo para réus sem provas colhidas, ao invés de condená-los por invasão de prédio público.
6 Impôs penas rigorosas demais, condenando a grande maioria a 17 anos de cadeia, como se todos fossem terroristas.
7 Ampliou a pena em 4 anos para todos os que fizeram selfie e enviaram para parentes e amigos, uma desproporção clamorosa.
E AGORA, MORAES? – “Errar humano est” e eu errei, diria o sambista Moreira da Silva. Mas o ministro não tem esse balanço. Como Bolsonaro diz que é “imbroxável”, Moraes também se considerar“inerrável”, mas suas decisões são sempre por escrito, não podem ser deletadas, apagadas com borracha ou retocadas com Liquid Paper.
Se levar à frente a Operação Hora da Verdade, como tudo indica, Moraes vai se confrontar com o dilema descrito por Dora Kramer.
Como atribuir penas mais rigorosas aos peixes grandes que acabam de cair na rede, se os bagrinhos já estão pegando até 21 anos? Para diminuí-las, os réus do 8 de janeiro têm de fazer o “acordo Caracu” com a Procuradoria, cujos integrantes entram com a cara e os bagrinhos entram com o resto.
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P.S. – Este país jamais viu uma esculhambação jurídica como essa. O retrocesso é constrangedor, parece uma nova república das Bananas, em tamanho gigante. (C.N.)